Um país atrasado
- Luis Manuel Silva
- 5 de fev.
- 3 min de leitura
Texto do meu livro O Futuro Põe-se ao Pôr do Sol
No início dos anos 60, Portugal era um país pobre e predominantemente agrícola, onde o trabalho braçal era essencial para a subsistência. Com a política de Salazar e a guerra colonial, o país passou por profundas alterações, intensificando a miséria, sobretudo no Alentejo. Este texto descreve de forma vívida a realidade dos trabalhadores rurais e a transformação social decorrente dessas políticas.

Portugal, no início da década de sessenta, antes da guerra de África, era um país atrasado e pobre. Ranchos de homens das aldeias pobres e escuras das beiras iam em busca do pão que faltava ao povo sofrido e castigado do Alentejo.
Depois do célebre «para Angola, rápidamente e em força» de Salazar, Portugal, para o melhor ou pior, nunca mais voltou a ser o mesmo e sofreu profundas alterações. O país acabava por ser, também, vítima do esforço de guerra.
Até aí, a economia do país era essencialmente agrícola, pouco mais que de subsistência, e à força de trabalho de braços. Nos campos, de norte a sul, a força braçal era partilhada com a dos animais: juntas de bois, mulas, burros, cavalos e o que de mais houvesse para gerar força, arrotear campos, cultivá-los, fazer o transporte de pessoas e produtos. Até os pequenos rios e fios de água eram aproveitados para o transporte de mercadorias e pessoas em pequenos e rústicos barcos, onde tal fosse possível, para além da pesca de rio. Os ranchos de homens, mulheres, crianças e velhos mostravam e demonstravam o que valia o poder da força esfomeada nos campos, nos períodos sazonais. As colheitas, sementeiras, mondas, vindimas e pouco mais eram tudo o que permitia trocar a força de trabalho por uma côdea de pão, um quartilho de vinho e pouco mais para levar para casa e dar sustento à família. A jornada era de sol a sol, sendo longos os dias de verão e pequena a noite para recuperar as forças despendidas nos trabalhos do dia a dia. Demasiado curtos os dias de inverno para ganhar o suficiente, pouco que fosse, para dar de comer uma côdea a quem dela precisava.
Os ranchos de mão de obra caminhavam em bandos, como ratinhos. Desciam pelos caminhos das Beiras até às grandes herdades do Alentejo, decretado celeiro de Portugal por Salazar, para fazer as sementeiras e as ceifas do pão. A fome de um lado ia gerar mais fome no outro. O Alentejo, o maior exemplo de sofrimento e pobreza em Portugal, sofria ciclicamente as investidas dos ratinhos das Beiras — também eles carenciados — para juntar os seus braços pobres, nas ceifas, aos braços humilhados da planície escaldante, aumentando ainda mais a fome e a humilhação de gente desde sempre sofrida e mal-amada. A escuridão das casas, a miséria triste dos povos das beiras em aldeias caóticas, sujas, imundas; as casas brancas, limpas, airosas, alegradas pelas cores da humilhação alentejana, se comparadas, eram enganadoras. Enquanto nas beiras se nadava na miséria, mas em liberdade pelas terras e casas que cada um tinha, e era nada; o Alentejo vivia prisioneiro das herdades e dos caminhos que conduziam às aldeias. O Alentejo tinha de seu aquilo que o cante alentejano lhe dava: as gotas de água das fontes, as auroras que rompiam as planícies, o dobrar do rouxinol. Vivia num espaço de amplas planícies e nem os horizontes lhe pertenciam: uma prisão amuralhada por planícies abertas, patrulhadas pela guarda. A pobreza e miséria era comum, do Minho ao Algarve, com cambiantes diferentes. No entanto, o Alentejo resistia e fazia do seu cante triste um grito de liberdade no meio de herdades na posse de donos com costumes medievais e que se aproximavam bastante de comportamentos feudais para com os aldeões. O caminhante indolente da planície era um servo sem terra, sem dinheiro, sem proteção, sem liberdade. Mas tinha muita fome, corpo para dar às balas e dois metros de terra emprestada para desfrutar durante o descanso depois de uma bala e anos de fome.
Beber vinho era dar de comer a meio milhão de portugueses. Para tal, as vinhas de todo o país teriam de se desenvolver para que fosse possível dar de comer a tanta gente, nem que para isso fosse aumentada a produção a martelo. Os esfomeados diziam que se podia fazer vinho de mil maneiras. Os mais acintosos corrigiam: «Mil e uma, da uva também se faz vinho!»

A realidade descrita revela a luta e a resiliência de um povo que nunca perdeu a esperança. Para ver o desenrolar desta história, clique aqui para comprar o meu livro "O Futuro Põe-se ao Pôr do Sol" na Amazon.
Comentários