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Um Futuro Incerto: Texto Exclusivo do Meu Livro

  • Foto do escritor: Luis Manuel Silva
    Luis Manuel Silva
  • 24 de jan.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 28 de jan.

Soldados
Soldados

A improvável amizade de um trio estranho de soldados mobilizados para África aproximou estes amigos com um destino comum. Diferentes entre si, conseguiram encontrar um caminho para vencerem as dificuldades que vão encontrar pela frente.


Para todos, o futuro era uma palavra sem significado, perdera valor, não tinha definição: era o passado que se esgotava em lembranças... lembranças... lembranças... Tudo o que era vida estava preso no passado... E neste comboio sem futuro... As brincadeiras, as tropelias, as experiências, as vivências, a rebeldia, os projetos, os sonhos... os sonhos... os sonhos sonhados... tudo ficara encarcerado no labiríntico caminho da vida cerceada... O presente existia no interior desta carruagem do comboio que ia devorando, quilómetro após quilómetro, a esperança de ter sonhos. Sem noção de futuro, o futuro era o presente: um dia de cada vez.

Quem cantava, cantava para se enganar; quem tagarelava mais alto e contava anedotas fazia-o para se iludir: camuflavam as emoções.

Alguém mais atento que se habituara a conhecer a pouco e pouco os colegas e camaradas que encontrara pelas andanças dos quartéis apercebia-se com facilidade de que algo de errado se passava com um trio de soldados silenciosos, díspar, que estava de pé, encostado a um varão, ao fundo da carruagem. Eram diferentes entre si, quer fisicamente quer na maneira de ser e de estar. Entendiam-se bem, apesar dos contrastes, ou talvez por isso mesmo. Quem quisesse encontrar um deles podia procurar qualquer um, porque estavam sempre juntos. Dois eram atiradores, o outro sapador de minas e armadilhas; nunca se tinham cruzado pelos caminhos dos quartéis. A mobilização para Angola juntara-os pela primeira vez no IAO. Desde então, aproximaram-se e desenvolveram um relacionamento, apesar dos temperamentos e físicos diferentes. Foi uma amizade que pegou de estaca: unha com carne. Eram os três de Lisboa, de bairros diferentes: Xabregas, Musgueira, Galinheiras. Uma amizade, à primeira vista improvável, que resultou em pleno! E resultaria melhor, a adivinhar pelo modo como se relacionavam entre si.


Comboio a caminho de um futuro incerto
Comboio a caminho de um futuro incerto

Um deles, o Musgueira, era cambuta, meia leca, não aguentava um par de estalos. No entanto, sempre teso, sempre metido em confusões, sempre o primeiro a fugir delas quando perdia o controlo da situação. Mesmo assim, sempre na brincadeira, sempre a pregar partidas, sempre a correr para o balcão da cantina em busca de uma cerveja. Os seus olhos eram um radar a localizar alguém disponível para a pagar. Era expansivo, folgazão, sempre alegre. O Galinheiras, qual Sanção, era um enérgico calmeirão de cento e tal quilos. Tinha corpo poderoso, vozeirão de trovão, andar pesadão. A manápula grande, com uma cerveja a mais, estendida para o mais pequeno, o Musgueira, pegava-lhe pelos colarinhos, um pouco abaixo do pescoço, como quem pega num fardo de palha, e levantava-o num ápice! Este, já no ar, enquanto agitava os pés, dizia numa voz de falsete:

— Ai... Larga-me! Larga-me brutamontes!

— Ó Galinheiras, larga lá o fedelho! — dizia o Xabregas.

— Largo, porque és tu que pedes — e elevando o puto acima da cabeça, largava-

o bem do alto dos seus dois metros e tanto para o chão. Este via-se obrigado a enrolar-se para não ficar ferido.

O Xabregas, da mesma altura que o Galinheiras, corpo elegante, cintado — havia quem dissesse ser praticante de boxe —, musculado e bem proporcionado, era mais comedido, menos dado a brincadeiras expansivas, mais sensato, sem exibicionismos desnecessários. Era um excelente elemento moderador, e de equilíbrio, entre eles. Quando se apercebia de que as brincadeiras estavam a ter um cariz excessivo, arranjava sempre um pretexto para arrancar os dois do centro das atenções para saírem da confusão. Eram dois homenzarrões gigantes com um anão que se anichava entre eles: entendiam-se na perfeição.

Por mais estranho que fosse, tinham uma ótima relação com a hierarquia, embora a autoridade tivesse algum receio daqueles dois corpos que, com um abanão, deitavam por terra quem quer que fosse. O certo é que, quando algum oficial ou furriel se aproximava, ainda que inocentemente, e antes que lhes fosse dirigida a palavra, eram eles os primeiros a tomar a iniciativa, a controlar a situação:

— É só uma brincadeira, está tudo bem; é aqui o caga-tacos que está sempre a arranjar confusões.

— Nunca mais aprendes, puto, toca a andar!

E lá se desenfiavam os três de mansinho, sem mais, distribuindo calduços pelo meia-leca.


Qual será o desfecho deste futuro incerto?


Livro
Livro

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