Um Encontro Casual (Texto do meu livro Madalena)

Um encontro casual

António, depois de um dia de trabalho, passa pelo supermercado. Habitualmente, percorre os corredores de corrida sem reparar nas pessoas. Naquele dia, foi surpreendido por uns dedos leves que pairavam pelo expositor da fruta.

Da primeira vez, quando passaste por mim, sonhei-te a sombra de um colibri fugidio, nem te prestei atenção. Da segunda, no corredor da fruta, chamou-me a atenção o modo como a rondavas, tocavas ao de leve, cheiravas. Não estragavas como via, por vezes, pessoas a palpar, marcando e ferindo com o dedo, às vezes com a unha. Tu não! Eras delicada, tomavas-lhe o peso, cheiravas. Se gostavas, retiravas para um pequeno saco de plástico. Achei curioso o modo como cuidavas da fruta, a selecionavas! Não foi a cara bonita nem o corpo agradável que me fez reparar na mulher. Foram os gestos suaves, a leveza dos teus dedos, o prazer que sentias ao aspirar, que me enlevaram.

Habitualmente, quando vou às compras, levo uma lista do que quero na cabeça: começo numa ponta, acabo na outra. No fim, trago o que preciso e o desnecessário. Na maior parte das vezes, esqueço o mais importante. Homem desorganizado? Admito que sim. De facto, nunca fui muito organizado com dinheiro nem com trabalhos de casa. Nem, sequer, com o trabalho de secretária. Mas sou, tremendamente, organizado e eficaz nas minhas outras funções ligadas à execução e planeamento de trabalhos de obra. Além disso, tenho uma apetência natural para dar liberdade distante e vigiada a quem trabalha comigo. Com bons resultados. Foi este hábito de vigilância atenta e distante que fez com que reparasse em ti, quando nos cruzámos mais uma vez. Já era demais! Desta vez foi nos produtos de higiene. Para mim, qualquer gel, desodorizante, lâmina ou champô serviam o fim em vista. Tu tinhas de ver, escolher, ler, experimentar a tampinha se estava aberta ou fechada, e toda uma coletânea de produtos, mais ou menos íntimos, tinham de passar pelo crivo das tuas mãos. Eras meticulosa. A partir de então, foi impossível não reparar na mulher.

Não és modelo de encher o olho, mas os teus traços deixavam adivinhar que tinhas passado por lá. Não passavas indiferente a quem tivesse a dita de planar os olhos sobre ti. Eras mais alta que a média das mulheres. Não muito. Isso tornava-te agradável à vista. Se te tirasse os saltos altos, terias mais dois ou três centímetros que eu. Estávamos mais ou menos ao mesmo nível. O teu corpo era volumoso, um volume gracioso que preenchia espaços e dava nas vistas por ser bem proporcionado. As curvas, fosse de que ângulo fosse, tinham uma progressão rítmica agradável, simetria perfeita, sem transições abruptas. Eram suaves e delicadas, principalmente, na transição dos ombros para o rosto, onde mais se foca o olhar. O traseiro, um suave enlevo, uma doce tentação.

Como ia topando contigo, sem que te procurasse, apercebi-me dos teus olhos negros e grandes. Combinavam bem com a amplitude da tua boca, mas também com os teus cabelos ciganos, da mesma cor dos olhos, ligeiramente ondulados, que te caíam, abundantes e densos, pelos ombros. O teu rosto era amplo e bonito. Um pormenor chamou-me a atenção: de vez em quando, percebia-se que estavas enlevada com um particular produto, surpreendia-te a mamar na própria língua. Confesso que não sei como o fazias. Esse teu pequeno vício, que se calhar pensavas discreto, dava-te uma aura agradável de mistério. Seduziste-me. Foi a primeira vez que te vi.

Fomo-nos embora, cada um para sua casa, mas deixaste uma marca da tua presença na minha cabeça. Não sei se tinhas reparado em mim ou não. Creio que não, porque nos cruzámos, algumas vezes, sem que os nossos olhares se cruzassem. Por vezes, quando se cruzam, desviam-se comprometidos. Se houver neles algum encanto, uma chama, curiosidade, acabam por se cruzarem de novo. Não foi o caso. O tempo fez-me esquecer a mulher.

Livro

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