DEPOIS DE MIM VIRÁ QUEM BEM DE MIM DIRÁ.
- Luis Manuel Silva
- 25 de abr. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 9 de mai. de 2024

Foto tirada no alto do Arco da Rua Augusta. Foi um feliz instantâneo do exacto momento da partida da Glória a coroar o Génio e o Valor, a caminho das antigas colónias Portuguesas para fazerem as reparações dos nossos estragos.
O Princípio da Responsabilidade
Ao longo da minha vida, passei por todos, ou quase todos, os estados que uma vida pode comportar. Nasci no tempo da vida dura e nele cresci. Nesse tempo, uma vida bem vivida tinha de passar, forçosamente, pela partilha e solidariedade. Fosse no interior da família ou no círculo de amizades. Era com as amizades que contávamos para enriquecer um pouco nos bolsos, já que a riqueza humana era uma realidade de todos os tempos. Em casa, na catequese, na escola, no trabalho, quando errávamos, éramos ensinados a assumir as culpas. Se, porventura, fôssemos confrontados com problemas difíceis ou impossíveis de resolver, arcávamos com as consequências, sem imputar responsabilidades, fosse a quem fosse.
Os Erros
No distante ano de 1966, com dezasseis anos, e só porque tinha dois dedos de letras e um pouco mais de conhecimento na minha área profissional, vi-me, de repente, promovido a responsável por homens de quarenta. Foi nessa altura que compreendi que a catequese e a escola me foram úteis. Ao mesmo tempo, e enquanto estudava de noite, tive a sorte de ter professores, no secundário, com elevado sentido de missão na arte de bem formar jovens. Quem estuda de noite trabalha de dia. A sorte continuou comigo, agora na qualidade de trabalhador responsável. Os patrões e mestres que passaram por mim ajudaram-me a crescer, a tomar decisões, a assumir responsabilidades: — Somos sempre responsáveis pelos nossos erros, principalmente pelos dos outros. Desde então, nunca me esqueço do conselho que o merceeiro dava ao marçano: — O cliente tem sempre razão.
Poder Intermediário
Quando fui para a tropa, já levava os conhecimentos básicos da responsabilidade. Em Angola, foram sendo depuradas as qualidades de comando e fui forçado a compreender que o comando, chefia, o que se queira chamar, é um cargo solitário que nos responsabiliza pelo que somos e fazemos. Ali aprendi mais uma lição: quem comanda não passa de uma roda dentada entre as anteriores e posteriores: todos dependem de todos. Esta situação de poder intermediário não o coloca acima dos outros. É mandante e mandado e se algo correr mal, não há bode expiatório para atribuir culpas. A responsabilidade é sempre do intermediário que tem de encontrar soluções, absorver e assumir os erros do anterior para os corrigir. Se for humilde, sabe que vai deixar situações delicadas para o sequente.
O Outro Lado do Muro
Mais tarde, depois do 25 de Abril, o regresso obrigou-me, uma vez mais, a lutar pela vida e converti-me num mero executante de ordens — pudera! O país estava livre, mas roto. Creio que as cumpri bem. Faz bem passar pelos dois lados da barricada. Durante os anos que passei pelos dois lados, aprendi outra grande lição: por mais pesadas que sejam as nossas heranças, devemos ser humildes para as assumir e preservar. A experiência de vida e os lugares de privilégio ensinaram-me a desconfiar de quem diz sempre mal do outro: é um sinal de fraqueza e desrespeito. Infelizmente, também me ensinou que quanto mais mal se diz, mais se glorifica, menos competências tem. Mas é sempre beneficiado.
A Culpa é do Outro
A minha ideologia passa por paz, justiça e solidariedade. Esquerda e direita são palavras sem sentido já que encontro justiça e solidariedade nos dois lados. O problema está quando se extremam as posições com mensagens populistas e subliminares. Seja como for, com governos de esquerda ou direita, o que precisamos é de aproveitar o que temos, corrigir o que está mal, sem destruir o que foi feito. O feito custou dinheiro, envolveu muita energia humana, só precisa de ser corrigido, se for interpretado como um desvio. Qualquer que seja o governo, tem de ter em atenção, em primeiro lugar, o direito da juventude ao salário, à casa, à constituição da sua família; depois, o direito à saúde e a uma velhice condigna. Será que este governo será capaz de o fazer? É possível, se lhe derem tempo. No entanto, duvido. Um governo que mais não faz do que atribuir responsabilidades ao governo cessante, em vez de governar e resolver problemas, perde um tempo precioso à procura de culpas e desculpas. Ainda agora começou e já começa a ser um sinal de ineficácia.
Precisamos é de jovens capitães políticos que, à semelhança dos Três Dês de então, promovam a revolução dos Três Dês da juventude: Desenvolver, Desenvolver, Desenvolver. Não esqueço que foram jovens com menos de trinta anos que conduziram o país para a liberdade, construíram a democracia, procederam às primeiras transformações do que somos hoje, para depois entregar o país aos políticos. Nos dias que correm, ao olhar para os jovens envelhecidos por falta de saídas, quase desejo que não o tivessem feito. É bem verdade que depois de mim virá quem bem de mim dirá. Não desejava que assim fosse, mas os meus anos já viram muita coisa...
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